FHC REVELADO - POR LUÍS NASSIF

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Ta aí um cara que me dá azia de verdade, este tal de FHC. Mas estou certo de que não é só em mim. Esta deve ter sido a razão de até hoje não ter conseguido assistir, por inteiro, sua entrevista no programa do Kennedy Alencar, o É Notícia.

Talvez eu tenha tido sorte ou o azar (não sei bem definir) de ter assistido só aos instantes finais da entrevista no domingo, justamente naquela parte do "Pinga Fogo", uma influência do estilo Hebe Camargo que o Kennedy Alencar cultiva e importou para o seu programa, uma frescura.

Confesso que só por aquilo (Protógenes, o amalucado, Gilmar, o corajoso e Dantas, o gênio) já se tem uma medida do caráter desse sujeito.

Para quem sabe ler um pingo é letra. É o que diz o ditado popular e, para mim, foi o mesmo que ouvir de FHC uma confissão.

Mas o melhor ficou mesmo por conta de Luís Nassif, este sim, um gênio no jornalismo econômico que soube, como ninguém, interpretar os sinais que deu FHC na entrevista ao chocho Kennedy Alencar. Veja as lambidas as seguir, 1 e 2, pois são imperdíveis.

Lambida 1

O aval vem de cima

No final da entrevista dada a Kennedy Alencar, na TV!, Fernando Henrique, de fato, se refere assim a três personagens polêmicos:
> Gilmar Mendes: corajoso.
> Protógenes: amalucado.
> Daniel Dantas: “não conheço bem, mas dizem que é brilhante”.
Nada mais disse, nem seria necessário.

Clique aqui para ir na página da entrevista. As declarações estão no 23o minuto em diante da terceira parte da entrevista.

O elogio a Dantas, a não menção a nenhuma das acusações contra o banqueiro, comprovam que, a partir de um certo momento, na história do Brasil, política e crime organizado passaram a caminhar juntos.

E não se está falando dos cabeças-de-bagre do governo Collor, nem do clube dos amigos do Sarney. Os esquemas anteriores - apesar de personagens notórios, como os irmãos Martinez e Canhedo (caso Collor), Machline e Saulo Ramos (Sarney) - eram esquemas individuais, pouco articulados, valendo-se mais do compadrio com autoridades de outros poderes e da falta de institucionalidade dos sistemas de controle do Estado.

Depois, ganhou escala. Essas alianças criminosas tornaram-se parte efetiva do jogo de controle do Estado, com relações muito mais orgânicas do crime organizado com mídia, bancadas políticas, Judiciário e Executivo .

Esbocei alguns desses processos no meu “Os Cabeças de Planilha”. Um dia, a história ainda cobrará de FHC a responsabilidade plea montagem desse modelo.


Lambida 2

O Sistema Brasileiro de Inteligência e o jogo político

Quando FHC saiu do governo, escrevi um artigo “Uma obra de arte política”, descrevendo a habilidade da estratégia de governabilidade de FHC - e o desperdício de não ter sido utilizada para um plano de desenvolvimento amplo.

A estratégia consistia em cooptar chefes regionais com migalhas do poder, mantendo incólumes os pilares centrais do governo.

Essa era apenas a perna conhecida do modelo criado por FHC.

O ponto central era o controle estrito sobre o Ministério da Fazenda e toda a estrutura debaixo dele - Banco Central, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Secretaria da Receita Federal (SRF).

Não se tratava apenas de manter o controle técnico sobre a economia. Era nesses ambientes que se fortalecia a perna oculta do sistema de poder montado: a criação de um modelo sistêmico de aliança com o crime organizado (de colarinho branco), que se expandia na indústria de offshores, de bancos de investimentos, de gestores de recursos.

A maneira como Gustavo Franco autorizou as operações do Banco Araucária, as operações com leilões da dívida pública (sempre com dúvidas sobre sua transparência), o caso emblemático do Banco Santos - desde 1994, um banco quebrado que, mesmo assim, enviava centenas de milhões de dólares para o exterior, com autorização do Banco Central - e, especialmente, o caso Opportunity, demonstravam uma ampla cumplicidade entre autoridades e transgressores. A estrutura de fiscalização do Estado ficou totalmente amarrada pelas ordens que emanavam do centro do comando financeiro do governo.

O controle do Estado
Em entrevista que concedeu ao Terra Magazine, FHC definiu a Satiagraha como uma luta pelo controle do Estado. Nada mais claro.

Quando o PT assumiu o poder, seguiu ao pé da letra a receita de FHC - tanto nos acordos fisiológicos inevitáveis, quanto na tentativa de cooptação desses grupos barras-pesadas.

Esse trabalho se dá através dos dois estrategistas políticos de Lula, José Dirceu e Antonio Palocci. Palocci atuava especialmente através do Conselhinho (o Conselho que julga os recursos dos agentes financeiros) e da CVM - nas gestões Marcelo Trindade e Cantidiano. Livra-se o Banco Pactual de autuações severas por crimes fiscais, livra-se Dantas por crimes de lavagem de dinheiro e de desobediência às regras cambiais brasileiras, permite-se que o Banco Santos se torne o maior repassador de recursos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) em uma leniência sistemática.

O Opportunity passa a financiar Delúbio Soares, através da Telemig Celular e Amazonia Celular. Palocci torna-se próximo de André Esteves, do Banco Pactual. E o BC mantinha olhos fechados para os crimes de lavagem de dinheiro.

O Sistema Brasileiro de Inteligência
Esse esquema começa a esboroar não apenas com o chamado escândalo do “mensalão”, mas pela iniciativa histórica do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de montar o Sistema Brasileiro de Inteligência.

Essa iniciativa se dá de forma paralela com o que ocorre em outros países, quando os Estados nacionais se organizam para enfrentar a internacionalização do crime organizado.

Nesse momento, começa a ruir o modelo de governabilidade baseado na aliança com o crime organizado. No combate ao crime organizado, o funcionário do BC não responde mais à sua diretoria mas a uma estrutura superior e interdepartamental. O mesmo ocorreu com outros funcionários da área econômica. O controle acaba.

Sentindo que o processo era inevitável, e escaldado pelo “mensalão”, Lula dá ampla liberdade para o aparato do Estado se organizar.

Pela primeira vez, o Estado começa a cumprir suas funções e os funcionários públicos a se libertar das amarras impostas por esse pacto espúrio. Aumenta a colaboração com as forças internacionais anti-crime, surgem as grandes operações combinadas de combate ao crime organizado. Fiscais da Receita passam a conversar com a Polícia Federal, a Coaf troca informações com o Ministério Público, a ABIN é acionada. E dessa integração começa a nascer a esperança de uma mudança estrutural não apenas no combate ao crime organizado, como na redemocratização do Estado e no aprimoramento do jogo político.

Era inevitável o choque com a estrutura de poder montada. O ovo da serpente já estava incubado, eram muito profundas as ligações entre o crime organizado, estruturas de mídia, instâncias do Judiciário, Congresso Nacional, Executivo. O país havia se criminalizado.

Pior, criminalizou-se com status. Chefes de quadrilha são tratados como brilhantes executivos, aproximaram-se de grupos de mídia, ajudaram na capitalização de alguns deles.

Um dos fatores que leva à inibição do crime é a condenação social do criminoso, a não aceitação de sua presença nos círculos sociais. Por aqui, Daniel Dantas continuou a ser aceito por praticamente todas as lideranças políticas. O ato comprovado de tentar subornar um delegado não mereceu a condenação explícita de ninguém. Pelo contrário, é elogiado pelo mentor máximo da oposição, FHC, e defendido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.

É essa lógica vergonhosa, para nós brasileiros, que explica toda a ofensiva para desmontar o Sistema Brasileiro de Inteligência.

Mudanças irreversíveis
A questão é que o mundo mudou. O crime organizado de colarinho branco tornou-se ameaça mundial, combatido por todos os países civilizados. A Internet rompeu com a barreira da informação. Pode custar mais ou menos, mas será impossível ao país não se curvar à grande onda anti-crime que se seguirá à queda da economia global.

Algumas vezes critiquei a superficialidade de FHC, sua incapacidade de perceber os ventos, os grandes fatores de transformação que permitissem lançar o país rumo ao desenvolvimento. Bobagem minha! Seu foco era outro.

É por isso quem para ele, Protógenes é amalucado e Dantas é brilhante.

A história ainda cobrará caro de FHC por ter institucionalizado o crime organizado no centro do jogo político brasileiro
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4 comentários:

Felipe Augusto disse...

o homi difiniu bem, corajoso por botar a cara a tapas atirando no próprio pé, amalucado por topar contra a frente criminosa democrática, gênio por ter mantido-se ileso por tanto tempo!

Lingua de Trapo disse...

Dois, você disse tudo.

Anônimo disse...

Meu Caro "Lingua de Trapo"

FHC acertou nos adjetivos mas errou na distribuição, embora eu tenha muitas duvidas quanto a esse Protógenes, acho ele corajoso, o DD é o amalucado por dinheiro, mas gênios mesmo são o Gilmar Mendes e o próprio FHC. Só os gênios, depois de algum tempo, conseguem se aproximar da unanimidade. Vide Lula pelo lado positivo e Gilmar e FHC pelo negativo.

Lingua de Trapo disse...

Tudo bom Ênio? Eu te entendo sobre o Protógenes, mas ele é o único peixe pequeno deste imblóglio. Ele pode ter até dado suas escapadas funcionais, mas esta tentativa da mídia de inverter as coisas é demais.

 

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