QUANDO OS FILHOS VIRAM MUNIÇÃO

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Tales Lacerda acredita que a ex-mulher utiliza os filhos para puni-lo pela separação e
hoje luta na Justiça pela guarda compartilhada dos filhos de 10 e 5 anos
FOTO: Alexandre Guzanshe


Reportagem lambida do jornal O Tempo.

Volto na segunda.

Até lá!


Quando os filhos viram munição
Andréa Castello Branco

Falar mal, boicotar visitas e dificultar telefonemas estão entre as estratégias

Foi-se o tempo em que ter pais divorciados era motivo de discriminação. Hoje essa estrutura familiar é comum e crianças e adolescentes levam uma vida normal tendo os pais morando sob tetos diferentes. Mas nem todos são felizes assim. Muitos ainda sofrem com as separações mal resolvidas e a atitude irracional do progenitor que detém a guarda - em 91,3% dos casos, a mãe - de afastar e, assim, apagar a imagem do companheiro, fazendo dele um fantasma para os filhos.

O que durante anos foi visto como "picuinha de casal" tem um efeito cruel e hoje é tratado como a síndrome da alienação parental. O termo foi cunhado pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, em 1985, para descrever o processo em que o filho é utilizado como instrumento de vingança. O diretor carioca Alan Minas fez da própria experiência a matéria-prima para o filme documentário "A Morte Inventada", depois de se deparar com muita desinformação e insensibilidade diante da situação.

Durante a produção do documentário, o que mais impressionou Alan foi a facilidade em encontrar pessoas que sofreram com a alienação parental. "O que me motivou foi o sentimento de injustiça. Todo mundo tinha uma história para contar, uma história que, na verdade, é um crime porque você mata alguém da vida do outro", compara o diretor.

A publicitária Rafaella Leme, 29, foi uma das pessoas que decidiu contar a própria experiência no documentário.

"Cresci ouvindo que meu pai era um canalha, que não ligava pra gente, que não nos amava... Minha mãe sempre falava dele como se ele fosse um monstro. Cresci tendo raiva dele", conta Rafaella. Inevitavelmente, ela e o irmão mais novo tomaram partido da mãe.

"Eu sentia culpa por achar divertido sair com ele. Era como se eu estivesse traindo a minha mãe por gostar de estar com meu pai. Mesmo sendo bom, a gente sempre chegava em casa dizendo que tinha sido péssimo, super chato", lembra Rafaella.

Durante 11 anos, ela ficou sem vê-lo, mas, apesar disso, mantinha boas lembranças dos passeios, parques e dos dias que passavam juntos. "Só depois que fui procurá-lo comecei a tapar esse buraco. Para minha sorte, ele não me pareceu um estranho, era o meu pai que estava ali", conta. Rafaella não tem raiva da mãe e acha que ela não tem consciência do mal que fez aos filhos, mas sabe identificar exatamente os efeitos da falta de um pai.

"Tenho muitos problemas até hoje. Nos meus relacionamentos, sempre procurei uma figura paterna, um protetor. Hoje estou casada e meu maior medo é viver uma separação e repetir com meu filho o que sofri, usá-lo dessa maneira", diz a publicitária.

Padrão. Segundo especialistas, a alienação parental segue um mesmo padrão de comportamento: começa com um dos genitores falando mal do outro, os encontros começam a ser boicotados, outros programas são feitos no dia de visitação e, o que tem sido cada dia mais frequente, o pai é acusado de abuso sexual para que as visitas sejam imediatamente suspensas pela Justiça.

Foi o que aconteceu com Ricardo Castro, pai de J.C, 10, que lutou durante sete anos para provar sua inocência e, na última terça-feira, recebeu a sentença favorável em segunda instância. Quando se separou da mulher, a filha tinha pouco mais de 1 ano e ficou decidido que o tempo de permanência com a menina seria aumentado gradativamente na medida em que ela adquirisse autonomia.

Acusação fatal. Pouco antes de ela completar 4 anos - o que lhe daria o direito de passar todo o final de semana com a filha - Ricardo recebeu um documento da Vara da Infância suspendendo as visitas. O motivo: acusação de abuso sexual. Após três meses, foi apresentado um laudo negando o abuso, mas foram necessários anos de disputa judicial para que Ricardo retomasse o contato com a filha, hoje com 10 anos.

"Durante esse tempo, a mãe usou recursos, agravos, medidas protelatórias. No final, ela conseguiu o que queria: me afastar da minha filha. Este ano tive cinco encontros de 40 minutos com ela dentro do Fórum; isso com a mãe, o padrasto e a avó do lado de fora da sala. Então é isso, tenho uma vitória na Justiça, mas, na prática, existe uma enorme dificuldade de me relacionar com minha filha. Tenho usado esse tempo para tirar a falsa memória criada pela mãe e resgatar a memória verdadeira", conta Ricardo.

Ciúmes. Tales Lacerda, 36, é pai de dois meninos e também sofre com as sucessivas tentativas da ex-mulher de desconstruir a imagem do pai perante os filhos. Segundo ele, a iniciativa da separação foi dele e, a partir do momento em que começou a namorar, sua vida "virou um inferno".

"Ela fala para os meninos que eu abandonei a família, que não gosto deles. Eles não podem falar nada sobre mim que ela ameaça bater neles e, se eles quiserem me telefonar, tem que ser a cobrar. Ela faz tudo para dificultar", conta Tales.

Para ele, a ex-mulher usa os filhos como um instrumento de poder e se sente tranquila em fazer isso pois aposta que nunca lhe acontecerá nada. Tales diz que não imaginava que a mãe de seus filhos deixasse de levar em conta o que é o melhor para as crianças. Por isso, decidiu entrar com um processo pedindo a guarda compartilhada. "A disputa é desigual porque tenho muito pouco tempo para desfazer o que ela faz. Por isso quero a guarda compartilhada", diz Tales.

Distorção

Nos Estados Unidos, um terço das disputas por guarda envolve acusação de abuso sexual.
Na Nova Zelândia, o índice já chega a 50% das ações litigiosas pela guarda dos filhos.

Os números da Justiça

1.494 foi o número de separações litigiosas realizadas em Belo Horizonte em 2008

105.701 divórcios litigiosos foram oficializados no Brasil no ano de 2007

23% dos processos de separação envolvem disputa pela guarda dos filhos

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LIMITES

O juiz Reinaldo Portanova diz que as dificuldades de combater a alienação vão de ausência de profissionais qualificados a acúmulo de processos
FOTO: VICTOR SCHWANER


Judiciário tem dificuldade para coibir alienação

O poder Judiciário ainda está engatinhando quando o assunto é alienação parental. Segundo o juiz da 3ª Vara de Família de Belo Horizonte, Reinaldo Portanova, esse é um problema “agudo”, mas a estrutura não permite uma avaliação aprofundada das atitudes de quem detém a guarda da criança.

Apesar de possuir um corpo técnico de psicólogos e assistentes sociais, falta aos juízes o aconselhamento de psiquiatras, principalmente para as denúncias de abuso sexual. “Há casos em que a perícia não confirma o abuso, mas o relato da mãe é tão forte que ficamos com ele e suspendemos as visitas. O Judiciário age preventivamente pelo benefício da criança. Estamos num terreno escuro, no terreno da doença, por isso seria importante a formação de um quadro de psiquiatras para nos orientar como agir”, diz.

Reinaldo Porta Nova explica que, entre os juízes da capital, já existe uma preocupação em identificar os sinais de alienação parental entre casais, mas o excesso de processos – cada juiz tem, em média, 3.000 causas para analisar – dificulta muito uma investigação minuciosa. Por outro lado, há uma forte realidade de pais drogados ou alcoólatras que colocam em risco o bem-estar dos filhos.

“Acho que a solução para esses casos seria o Estado ter casas equipadas para receber pais e filhos em dias de visita. Na França existe uma coisa assim. Então, quando ocorre esse tipo de conflito, o juiz determina que a visita seja lá para dirimir qualquer dúvida sobre a conduta do pai ou da mãe”, conta. Outra medida sugerida por Portanova é a utilização do detector de mentira em casos extremos, expediente já adotado nos Estados Unidos.

À força. Como não há nem uma coisa nem outra no Brasil, os juízes têm como última opção o uso da força policial para evitar que um progenitor impeça o contato do outro com os filhos e, assim, garantir a decisão de visitação. “Isso pode funcionar como um elemento de coação do alienador, mas é muito traumático para a criança. Tanto que muitos pais rejeitam a medida”, diz.

O juiz afirma que é crescente o número de casais que, ao invés de priorizar o interesse dos filhos, fazem da separação um “cabo de guerra”. “A criança acaba se tornando uma arma para os pais. A alienadora quer impor ao companheiro uma perda tão grande quanto a que sofreu com o fim do casamento. É um equívoco lamentável, mas ocorre com frequência”, diz Portanova. (ACB)

Estratégias

Desacreditar o amor do genitor alienado e criar a sensação de abandono

Dificultar contatos telefônicos e visitas

Punir sutilmente quando a criança demonstra satisfação ao se relacionar com o pai/mãe

Fazer com que a criança pense que foi abandonada e que não é amada

Desvalorizar o genitor, seus hábitos, costumes e parentes

Evitar falar sobre o pai/mãe em casa

Interrogar o filho depois que chega das visitas

Interceptar telefonemas, presentes e cartas

4 comentários:

JÚLIO PEGNA disse...

Luiz,
O que a Folha deste domingo fez, é canalhice!
Quero pedir sua ajuda, e de todos os blogueiros sérios deste país, para iniciarmos uma campanha organizada de desmonte desta mídia comprometida.
Nossas ações conjuntas podem, e vão, desmascarar farsa que a imprensa está produzindo contra o povo brasileiro.
Conto com você!
Júlio Pegna
SANDALIAS DO PIRATA

Lingua de Trapo disse...

Nem precisa pedir, é só convocar que já estamos dentro.

Carlinhos Medeiros disse...

Caro Luiz, como disse no texto, já passei por essa dor.
Abs!

Lingua de Trapo disse...

Pois é, não foi por nada que publiquei este post. Minha filha, Luiza, completou 16 anos neste dia e, para variar, não pude sequer abraçá-la.

 

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