O texto da convocação da nova versão da “Marcha da Família com Deus Pela Liberdade”, realizada pela primeira vez no dia 19 de março de 1964 em São Paulo, dizia: “Amigos patriotas, vamos todos juntos comemorar esta data tão importante para o nosso país! 50 anos que o povo saiu às ruas pedindo democracia, justiça, liberdade e acima de tudo dizendo ‘não ao comunismo’!!!! Venha conosco nesta batalha.”

No entanto, em vez dos 500 mil de 50 anos atrás, compareceram apenas 500, no último sábado, conforme o Centro de Operações da Polícia Militar de São Paulo. Ou mil pessoas, segundo um major que comandou a operação policial no local. Sejam 500 ou mil, é motivo de comemoração por parte dos brasileiros, pois os dois números significam que fracassou a mobilização feita por meio das redes sociais e com notícias na imprensa.

“Marcha da Família pela volta da ditadura militar fracassa 50 anos depois”, informou o Hoje em Dia na sua edição de domingo. Em Belo Horizonte se reuniram apenas 80 pessoas no local marcado para a concentração, e não houve marcha. Nas outras capitais, a adesão foi também “muito baixa”. A reportagem é ilustrada por uma foto em que aparecem dois manifestantes segurando uma faixa amarela com os dizeres: “Intervenção militar já”.

O fracasso das manifestações deve ser comemorado. Afasta o receio de nova intervenção militar nos destinos do país, contrária à democracia, qualquer que seja o pretexto.

Um dos mais fortes argumentos para a derrubada do governo de João Goulart, o de que a maioria da população exigia sua queda, era falso. Na verdade, a maioria apoiava o governo, conforme pesquisa feita pelo Ibope entre os dias 9 e 16 de março de 1964, só agora divulgada.

A reforma agrária, a mais polêmica, na época, entre as “Reforma de Base” propostas por Jango Goulart no comício realizado no Rio no dia 13 de março e que serviram de pretexto para o golpe militar, também tinha apoio da maioria: 66% da população de São Paulo, 67% de Belo Horizonte e 82% do Rio.

Além da verdade, o golpe militar – que impôs a censura à imprensa e nunca foi chamado de golpe, mas de revolução, que impediu de ser chamado de ditadura embora estivesse distante da democracia – sacrificou vidas, inclusive de militares. Desse modo, a maioria da população, até bem próximo do fim da ditadura, vivia iludida.

Os que marcharam no sábado ainda vivem nessa ilusão. É reconfortante saber quão minoria são aqueles que acreditam hoje que naquela época não havia corrupção, que o país vivia em paz, sem a violência que nos atormenta agora, quando vivemos na democracia.

Vale lembrar, por ser bem atual, o discurso de Winston Churchill, feito dois anos após a derrota de Hitler: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”