Rondon Pacheco, o AI-5 e a Arena

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Apesar do engajamento ideológico da Folha de São Paulo com o que há de mais nefasto neste país, o jornal da família Frias, ao contrário da maioria dos jornalecos que temos pelo Brasil afora, ainda é capaz de nos servir ótimas reportagens, como esta que hoje reproduzo aqui no blog, publicada ontem em sua edição on-line.

É, sobretudo, uma matéria muito interessante, pois trás à memória dos brasileiros um período importante e de escassos registros históricos, inclusive, pela própria destruição de documentos da época pelo regime militar.

Vale a pena ler e ver o que revela o último personagem vivo daquele período, o ex-Chefe da Casa Civil e também ex-Governador de Minas Gerais, Rondon Pacheco.


07/12/2008 - 08h52
Médici queria revogar AI-5, diz ex-presidente da Arena
FERNANDA ODILLA
enviada especial da Folha de S.Paulo a Uberlândia (MG)
SOFIA FERNANDES
colaboração para a Folha de S.Paulo, em Uberlândia (MG)


O general Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência do Brasil em outubro de 1969 disposto a revogar o AI-5, sigla que entrou para a história como o ato institucional que escancarou a ditadura no país. Médici desistiu da idéia e assumiu uma posição linha-dura tão logo constatou, em consultas informais, que não teria o apoio de importantes aliados.

A cúpula das Forças Armadas achava cedo demais para extinguir o texto que abriu a possibilidade de fechar o Congresso, permitiu intervenção do governo federal nos Estados, institucionalizou a censura e suspendeu o habeas corpus em casos de crimes políticos.

A primeira versão do AI-5, contudo, era muito mais radical. Extinguia o Legislativo em todo país e fechava o Supremo Tribunal Federal. Essa versão foi rechaçada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969), que exigiu um texto que não fosse "dose para cavalo" e só aceitou assiná-lo porque temia ser deposto.

O autor dessas revelações, até hoje compartilhadas em detalhes somente com poucos confidentes, é Rondon Pacheco, ex-chefe da Casa Civil do governo Costa e Silva. Aos 89 anos, ele é a única testemunha viva que participou de todo o processo de confecção do AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968.

Com as credenciais de quem redigiu o texto final do ato, ajudou a fazer uma Constituição que facilitaria a revogação do ato em 1969 --mas não foi outorgada porque Costa e Silva adoeceu-- e participou da escolha da segunda chapa presidencial depois do movimento de 1964, Pacheco revelou à Folha bastidores daquele capítulo da história da ditadura brasileira.

"O presidente Costa e Silva me disse isso várias vezes em seus despachos, que ele às vezes não dormia pensando nos problemas do outro dia", recorda Rondon Pacheco, dizendo que Costa e Silva assumiu o governo gerenciando problemas. Havia, segundo Pacheco, uma conspiração sendo tramada pelo ex-governador Carlos Lacerda no Hotel Glória (RJ).

"Não foi um governo tranqüilo, apesar de estar perfeitamente constitucionalizado", diz. Mas afirma que a Constituição de 1967 assustou o autodenominado "governo revolucionário". Para o ex-chefe da Casa Civil, foi a falta de habilidade política que transformou dois curtos discursos do deputado Márcio Moreira Alves -que criticou militares no plenário da Câmara- na maior crise do governo. "Coisa do Márcio, demagogo", avalia Pacheco. Ofendidos, os militares exigiram a cassação do deputado. Pacheco conta que Costa e Silva acordou uma solução intermediária para aprovar uma licença para o deputado.

"Se tivesse havido a punição conforme já estava combinado, não teria havido nada [o AI-5]", sustenta. Mas o ministro Gama e Silva (Justiça) decidiu, à revelia, trocar os integrantes da comissão que analisava o caso para aprovar a cassação. O ministro só não foi demitido porque era amigo do presidente, segundo Pacheco.

A cassação, contudo, foi rejeitada pelo plenário da Câmara por 216 votos a 141, conforme ata da sessão de 12 de dezembro de 1968. Diante da derrota no Congresso, as condições para um golpe dentro do golpe estavam postas, na visão do governo. O presidente tomou a decisão de "nada decidir" naquela noite de quinta-feira. Nem sequer recebeu companheiros de farda, que já tramavam uma proposta para reforçar o poder das Forças. Convocou reunião para as 11h.

Na manhã daquela sexta-feira 13, começava a fase mais dura da ditadura brasileira. "Tudo foi decidido pela manhã. Quando foi para o Conselho [Nacional] de Segurança, o problema já tinha sofrido um despacho saneador do presidente", recorda o ex-ministro.

Foi convocado para a reunião um seleto grupo que ouviu do presidente a intenção de fechar o Congresso e editar um ato semelhante ao AI-1, que permitiu a cassação e suspensão dos direitos políticos de quem era contra o sistema.

"Gama e Silva estava muito agitado. Isso eu notei. Ele chegou, sentou na cadeirinha do ministro da Justiça e disse: "O ato, presidente, está pronto". Ele estava certo que ia fazer o presidente engolir o ato", revela Pacheco. A primeira versão do AI-5 proposta "era um ato terrível", nas palavras de Pacheco. Demitia todos os ministros do Supremo, dissolvia o Congresso e todas as Assembléias Legislativas. A intervenção federal seria no país inteiro, inclusive com a indicação de todos os prefeitos.

Rondon Pacheco guarda na memória detalhes daquela primeira reunião do dia no Palácio das Laranjeiras, mas revela ojeriza à versão ultra-radical do AI-5 lida por Gama e Silva. Diz que não quer nem saber que fim levou aqueles papéis.

Antes de vetada pelo presidente, a primeira versão dividiu os seis integrantes da reunião (veja quadro). A nova proposta foi apresentada no início daquela tarde. Caberia a Rondon Pacheco elaborar o texto final. "O Gama e Silva levou um projeto e eu fui expurgando".

Enquanto fechavam o texto, chegaram os membros do Conselho Nacional de Segurança para a reunião das 17h, que sacramentou o AI-5. O vice-presidente Pedro Aleixo, segundo Pacheco, trouxe uma proposta para decretar o estado de sítio e uma carta de renúncia, se Costa e Silva desistisse.

Costa e Silva permaneceu no poder, mas elaborou um plano: a outorga de uma nova Constituição permitiria acabar com o AI-5 no dia 7 de setembro de 1969. Mas adoeceu e foi afastado do cargo dez dias antes de executar o cronograma.

O presidente que sucedeu Costa e Silva também pensou em pôr fim ao ato, afirma Pacheco: "O Médici quis revogar o ato e não teve apoio. O Exército achava cedo". Escalado por Médici para presidir a Arena e depois governar Minas, Pacheco conta que o presidente recém-empossado fez consultas sobre o assunto. "Médici achou que talvez fosse melhor fazer o teste: revogar o AI-5 para ver se eles paravam com a agitação." Mas o teste nunca foi feito.

2 comentários:

Anônimo disse...

Amigo,

o 'cloaca news' colocou o Língua de Trapo na sua lista de Blogs favoritos. Vale a pena visitar o mesmo e retribuir na mesma moeda. É muito bom também. Os dois blogs em parceria seria muito bom. Um mais enturmado com o esgoto midiático mineiro e outro com o gaúcho.

Um abraço

Anônimo disse...

Vejo que a história recente a passada do Brasil passa por este blog.

Já esta no espeaço Relatórios e Baterias do meu blog.

!!@v@nte!!

 

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