Ontem à noite, enquanto esperava o sono chegar e, depois de muito refletir sobre o caso de Paula Oliveira, decidi que era preciso escrever alguma coisa sobre isso tudo. Até comecei, mas ao ler um artigo que o Rui Martins publicou no Direto da Redação eu me contive. O texto do Rui foi direto ao ponto e, por uma feliz coincidência, fez uma abordagem similar a que eu fiz quando escrevi pela primeira vez sobre este assunto, a que alguns brasileiros são mais brasileiros do que os outros quando afetados em seus direitos e prerrogativas. É uma triste constatação, mas como é realidade, eu acredito que já está passando da hora de mudarmos nossa postura e, olharmos ao lado toda vez em que nos metermos a apontar o dedo para os outros.
Não vou dizer aqui que eu já previa que este seria o desfecho deste caso, pois eu estaria mentindo. Mas devo confessar o meu ceticismo quanto às nobres intenções que muitos tiveram para defender a estória contada por Paula, alguns com muita veemência, mesmo quando esta já dava todos os sinais de que estava caindo por terra.
Em passado recente, eu repercuti aqui neste mesmo Língua de Trapo uma reportagem do Novo Jornal, que tratava de um caso de ofensas racistas por parte de uma secretária do Vice-Governador de Minas Gerais contra um segurança de uma loja daqui de Belo Horizonte. A motivação da neo-sinhazinha foi o simples fato do rapaz tê-la alertado de que não poderia estacionar o seu carrão na vaga privativa da loja em que trabalhava, o que foi suficiente para ser alvejado por ela como “crioulo e macaco”.
Pois bem, a ofensa criminosa da neo-sinhazinha teve a conivência de seus superiores que, numa atitude imoral, tentaram, por todas os meios, dissuadir a própria polícia militar de sua obrigação de registrar o boletim de ocorrência. Por sua vez, a imprensa corporativa mineira tratou de não repercutir o fato, apesar de tê-lo registrado. Também no silêncio ficaram os organismos e entidades de defesa dos direitos humanos e cidadania. À exceção de uns poucos blogs, ninguém mais deu notícias sobre este assunto e, pelo visto, o caso já caiu no esquecimento.
Agora, eu gostaria de dar por encerrada esta fase do caso Paula Olivera e, também, reiterar que não farei qualquer juízo, neste momento ou no futuro, sobre as suas razões ou intenções, pois, ao meu ver, essa tarefa é de exclusiva competência da justiça e das autoridades suíças. Mas, ao mesmo tempo, gostaria de acreditar que toda essa experiência tenha nos servido para alguma coisa ou, pelo menos, para refletirmos sobre o quanto temos sido cínicos, hipócritas e coniventes com atos e expressões de racismo e de preconceito que são praticados, cotidianamente, por nós mesmos e, contra nosso próprio povo, tudo isso aqui mesmo, dentro do Brasil. Ou será que não conseguimos sequer enxergar a eugenia que é praticada em toda a nossa mídia?
A ELITE BRANCA: RICA E INTOCÁVEL
Por Rui Martins para o Direto da Redação - 18/02/2009
Berna (Suiça) - Vocês podem me contar quantas mulheres negras, mulatas, mestiças, pobres (são palavras quase sinônimas) são assassinadas por ano no Brasil ? Quantas mulheres brasileiras voluntariamente ou enganadas deixam o Brasil para viverem da prostituição no estrangeiro, sofrendo violências e mesmo sendo assassinadas por cafetões, fechadas sem documentos em bordéis, sujeitas a todas as humilhações ?
E quantas mulheres brasileiras estão, neste momento, fechadas num aeroporto europeu, Madri, Lisboa, Roma, por exemplo, impedidas de desembarcar mesmo se cumpriram com as exigências legais, mas consideradas pelos policiais como possíveis prostitutas ? Ou quantas mulheres brasileiras, indocumentadas, emigrantes clandestinas grávidas ou com bebês vivem um pesadêlo inimaginável neste rigoroso inverno europeu ?
Quantas mulheres emigrantes no Japão, despedidas de seus empregos nestas últimas semanas com seus maridos, estão comendo uma sopa por dia num dos refugios criados por entidades assistenciais geralmente religiosas, depois de terem deixado tudo que possuíam num apartamento que não podem mais pagar ?
Quantas meninas ainda nem moças satisfazem o turismo sexual em muitas áreas turísticas brasileiras ?
Alguém se lembra delas quando aparecem mortas no Bois de Boulogne em Paris, enforcadas ou apunhaladas num bordel do Ticino na Suíça ou drogadas e jogadas numa rua de Roma ? Será que só o fotógrafo Sebastião Salgado vê que, no Brasil, em meio à indiferença geral existe uma outra população pobre, negra, mulata, mestiça ?
Já imaginaram se a imprensa e povo sul-africanos, durante o apartheid, se revoltassem se uma branca da melhor sociedade boer fosse agredida numa rua de Londres ? Se isso ocorresse, seria um caso da chamada Síndrome de Estocolmo, quando o sequestrado chega até a se apaixonar por seu sequestrador.
Teria sido a Síndrome de Estocolmo que levou nossa população mestiça a se inflamar contra a Suíça, sem perceber a farsa da pobre menina rica, como diria Celso Lyra, que não é negra e nem mulata ?
Por que ato racista se ela tem tudo de uma branca européia? Porque ela falava português? Ora, o português é uma das línguas da União Européia. A mentira era grande demais, mas foi aceita e a maior televisão brasileira, a Globo, com o apoio de um blogueiro irresponsável levou o delírio adiante.
Nossa sociedade de apartheid econômico e social chegou a essa perfeição – ignora as humilhações de que são vítimas a grande maioria da população e se levanta de dedo em riste quando uma representante da elite branca e rica alega ter sofrido uma agressão. E o ministro dos Direitos Humanos fala até em holocausto ! Mas vamos com calma, o Brasil, mesmo se melhorou nestes últimos anos, vive ainda o holocausto. Não temos o maior número de assassinatos por ano quase igual ao dos mortos no Iraque ?
E o ministo Celso Amorim, que viveu tantos anos em Genebra, conhecedor da Suíça entra no show da Globo e arrasta consigo o presidente, na farsa que virou o fiasco do ano ? Nós emigrantes esperávamos uma tal reação em Lisboa, na Espanha, na Itália. Não veio e nem virá. A munição foi gasta e mal gasta para defender a farsa das intocáveis, que têm pai rico, pai influente, amigo de blogueiro, amigo de políticos. É isso que vale.
E como se não bastasse vem aquela afirmação de que o Brasil dará tratamento de VIP e apoio jurídico à brasileira Paula Oliveira se for necessário. E para as outras, que não mentiram, mas que sofrem e são humilhadas, só que são pé de chinelo ? Nada ? Que vergonha!
Ricardo Noblat pediu desculpas ? A Globo fez seu mea culpa ?
O que eu posso fazer ? Onde está a esquerda ? O que fizeram dos nossos sonhos ? Ficaram todos cegos, se acostumaram com nosso apartheid, mudaram de campo, mudaram de time ?
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6 comentários:
Grande Língua,
nesta vc "matou a pau"! Muito bom! Lavei a alma com sua observações e a grande contribuição do Rui Martins.
Não é à toa que o número de seus leitores aumenta dia a dia.
Mais uma contribuição para este assunto, tão rico em lições para nossas relações sociais e raciais, mas também para a esquerda brasileira. Vai aí um post do Blog Esquerdopata sobre o tema:
"Demo se fu na mãos da direita
Do Brasil, mostra tua cara!
A Paula Oliveira, a que se cortou na Suiça, odeia o PT
Segundo o ONI a Paula é membro de uma comunidade do Orkut chamada "Eu Odeio o PT".
E seu pai é assessor do deputado federal, ex-prefeito, e ex-governador de Pernambuco Roberto Magalhães (DEM-PE).
É só gente fina, gente comprometida com a verdade. Gente que odeia a esquerda.
A Paula então agora vai se confrontar com a direita europeia. Gente que gosta do diálogo"
Um abraço,
Se não me engano seu passaporte já foi bloqueado e iniciado processo contra ela.
Postado por Glória Leite"
Tudo dito.Parabenizo. Você sabe tudo.Abraços Yvy
Márcio e Yvy, agradeço a vocês, um abraço.
Eu era cético aos suíços em todo tempo, mas a pobre menina rica demonstrou que uma falta de carinho e atenção(Ai meu deus!) está acima de qualquer coisa.Agora que ela pague por sua insensatez e o governo brasileiro a apoie , pois ela ainda é brasileira.
Bravo pela reflexão... Abaixo às hipocrisias!!!!
Saudações fraternas,
Cristiane
É isso aí Cristiane.
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