COMPANHEIROS, CHEGA DE LER A FOLHA, LEIAM A MARIE CLAIRE, POIS CHIQUE É SER INTELIGENTE, LENDO A REVISTA QUE FALA BEM DE NOSSA FUTURA PRESIDENTE !

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Não há o que este Língua de Trapo não seja capaz de fazer para mostrar as façanhas de nossa heroína. Há pouco tempo atrás, nos aventuramos no antro do colunismo social para mostrar a entrevista feita com a Dilma Roussef por Bruno Astuto, um conhecido escriba das coisas importantes que faz a granfinagem nacional.

Dessa vez não foi diferente, tentamos por uma, duas, três vezes pedir uma autorização para publicar esta reportagem no Língua de Trapo e, nada de resposta. Mas, quando pensávamos em simplesmente tomar, ou seja, publicar a revelia das leis de copyright, eis que chegou a autorização, olhe ela aí em baixo.

Olá Luiz, É possível desde que você coloque os créditos corretos, informando o nome da repórter de Marie Claire que fez a entrevista e a edição/mês/ano da revista na qual essa matéria foi publicada. Seria interessante também você terminar o texto remetendo para o o link da matéria, em nosso site. Obrigada pelo seu contato - Equipe de Marie Claire

Pois bem, valeu o nosso esforço, apesar do atraso, pois a entrevista é da melhor qualidade e, devo ressaltar, que o trabalho das jornalistas Carla Gullo e Maria Laura Neves foi feito com enorme capricho, muito bom gosto e, sobretudo, com muito respeito à história da Ministra Dilma Roussef. Muito diferente do que vem fazendo os gênios do mal do jornalecão amigo da ditadura e parceiro inconteste da Operação Bandeirante, a Folha de São Paulo.

Devo lembrar àqueles que querem ver Dilma Presidente em 2010, que a incursão de nossa heroína no nicho de mercado que atua esta publicação da Editora Globo, é muito importante, pois ajuda a desmistificar a imagem preconceituosa construída nos últimos tempos por certos veículos de comunicação. Tudo isso, claro, após constatarem o vigoroso crescimento do nome de Dilma Roussef nas pesquisas de intenção de voto.

Dito isso, fico a imaginar no que pensaram as leitoras dondocas de Marie Claire ao ler esta formidável entrevista. No mínimo, um pouquinho de inveja, pois se deparar com a bravura de uma mulher como Dilma Roussef é, no meu entender, razão suficiente para rever os paradigmas do papel da mulher em nossa sociedade. Além do mais, até imaginei algumas delas explorando o fetiche de guerrilheiras com seus maridões. Só mesmo uma mente suja e deturpada como a desse Língua de Trapo para imaginar uma coisa dessas.

Não tendo nada mais a dizer, agora, é a vez da ESQUERDA CHIQUE, que ainda não leu esta reportagem, deleitar-se.
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A mulher do presidente
Por Carla Gullo e Maria Laura Neves - Edição 216 - Mar/09

A Dilma Rousseff que todos conhecem lutou contra a ditadura, foi presa e torturada. Virou ministra, enfrentou várias crises no governo e é candidata não oficial à presidência nas próximas eleições. A Dilma que quase ninguém conhece sentia culpa de ir trabalhar e deixar a filha em casa, ri de si própria e se diverte com os programas de sátira a seu respeito. Diz que se sentiu nua quando a imprensa começou a vasculhar sua vida pessoal. Em entrevista exclusiva à Marie Claire, ela fala que preferia os tempos em que os homens cortejavam as mulheres, acha que esse negócio de ficar não funciona bem para nós e diz que é a favor da legalização do aborto

O gabinete da ministra da casa civil, Dilma Rousseff, 61 anos, é amplo e bem arrumado. Um sofá, duas poltronas, uma mesa de centro com livros ilustrativos do Brasil. Atrás da grande mesa de trabalho, um bufê com alguns porta-retratos: uma foto da filha, Paula, advogada de 31 anos, seu maior xodó, outra com o presidente. Uma imagem de Iemanjá, 'presente do governador da Bahia, Jaques Wagner', e outras duas de santas barrocas. Em uma das paredes, duas fotos ampliadas dela com Lula. A mais famosa é a que ele coloca as mãos sujas de petróleo nas costas da ministra, em uma espécie de 'batismo' de óleo. Um telefone que é usado somente para falar com ele. São sinais que mostram sua relação afinada com o presidente. Dilma é hoje a mulher mais forte do governo. À frente do PAC (Plano de Aceleração ao Crescimento), é a candidata natural do PT à presidência da República. Entramos no gabinete esperando encontrar a Dilma que todo mundo conhece - ou acha que conhece. Dura, séria, um tantinho mal-humorada. Encontramos uma mulher sorridente, que nos cumprimentou com dois beijinhos. Vestida num terninho azul-claro, regata branca, colar de pérolas, relógio, fitinha do Senhor do Bonfim amarrada no pulso (presente de Flora Gil, objeto de um pedido do qual nem lembra mais), Dilma nos deixou à vontade logo nos cinco primeiros minutos de conversa. Sem brincos e sentada em uma mesa redonda de reunião, com vista para a Esplanada dos Ministérios, Dilma puxou uma edição de Marie Claire trazida por sua assessora e apontou uma foto da atriz Larissa Maciel, que fez o papel da cantora Maysa na minissérie global. 'Como essa menina está linda nesta foto. Mais bonita do que na minissérie', disse. 'Sabe por quê? Porque aqui as feições estão suavizadas.' Assim como as dela mesma, depois da plástica feita no início do ano. Ela age como se ainda estivesse se acostumando ao novo visual - enquanto fala, ajeita os cabelos, puxa para frente, joga um pouco para o lado.

Economista de formação, mas política de carreira, Dilma fala alto, bastante e rápido. Bate com as mãos cerradas na mesa quando discursa sobre as medidas econômicas do governo. Usa o mesmo tom grave ao se referir à ditadura militar. Seus subordinados costumam ser tratados com a mesma severidade. Mas na hora da conversa, é bem-humorada. Adora falar sobre a filha. Sagitariana e separada de dois casamentos, a mineira de Belo Horizonte passou boa parte da vida adulta em Porto Alegre. Mistura os sotaques e as expressões das duas cidades. Ora usa 'tu', ora 'ocê'. Ri alto quando o assunto são as caricaturas que a imprensa fez dela depois da plástica, não se esquiva de perguntas sobre sua vida íntima e se empolga na hora de falar das influências intelectuais que fizeram parte da sua geração.

A ministra da Casa Civil começou a fazer história quando, aos 15 anos, entrou para o movimento estudantil para lutar contra a ditadura militar. Aos 19, vivia na clandestinidade. Foi uma das líderes de duas importantes organizações da esquerda radical, o Colina e a VAR-Palmares. Foi nessa época que se casou, pela primeira vez, com o jornalista Cláudio Galeno. Fez treinamentos de guerrilha, aprendeu a montar e desmontar fuzis, mas diz que nunca trocou tiros com soldados do exército ou policiais militares. Ela afirma que fazia parte da inteligência das organizações. Presa em 1970, ficou três anos na cadeia, onde foi barbaramente torturada. Ao falar sobre essa época, mostra sentimentos dúbios. Às vezes discursa com indignação. Às vezes fala baixo, pausado. Mas em nenhum momento sugere arrependimento. Deixa claro que tem orgulho do que viveu.Em liberdade, casou-se com o advogado gaúcho Carlos Araújo, também ligado à militância de esquerda. Os dois se mudaram para Porto Alegre, onde fizeram carreira política pelo PDT. Dilma foi secretária na área de energia do governo gaúcho. Os resultados do trabalho feito no Sul a conduziram ao primeiro posto no governo Lula, no Ministério de Minas e Energia, em 2003.

O segundo casamento terminou em 2000. Dilma perdeu o pai, o búlgaro Pedro Rousseff, em consequência de diabetes, quando tinha 15 anos. Em 1977, aos 30, perdeu a irmã mais nova, Zana, de um tipo raro de infecção. Ela conta esses fatos sem a voz embargada ou em tom de vítima. Dilma Rousseff parece não ter nascido para esse papel. Sempre que lembra algum momento triste, a imagem da mulher forte permanece. Nada de olhar para baixo, voz trêmula ou esquiva. Mas fica claro que prefere conversar sobre assuntos alegres. Empolga-se e dá um sorriso gostoso quando diz que se prepara para ser avó. E com o mesmo sorriso afirma que não se sente solitária pelo fato de não ter um namorado ou marido.

Na política, ganhou notoriedade depois de assumir a chefia da Casa Civil, em 2005, no lugar de José Dirceu. Se, por um lado, conseguiu manter uma imagem de respeito em um governo desgastado pela crise do mensalão, por outro protagonizou algumas crises políticas. Foi acusada de favorecer um grupo de empresários na venda da Varig Log (a empresa de transportes de carga da antiga Varig) e de ter mandado produzir um dossiê clandestino com os gastos do governo Fernando Henrique Cardoso. Só a última acusação acabou em inquérito policial e o Supremo Tribunal Federal retirou a ministra da investigação (a decisão ainda não é definitiva). Aqui, ela fala sobre maternidade, amor, tortura, cotidiano e um pouquinho de política.

Marie Claire: Com seu passado, como é para a senhora se tornar uma figura pública, quase uma celebridade?
Dilma Rousseff: No início senti mais. Levei um tempo para entender como me sentia. É como se eu fosse uma tartaruga e tivessem extraído minha casca. Isso é a nudez. É uma desproteção diante do mundo, só que momentânea. E acho que não tem maiores consequências, sabe?

MC: Até as suas manicures foram entrevistadas...
DR: Podem invadir meu cabeleireiro. Não tô nem aí. Eu vi o repórter de campana. Fiquei até com pena, coitado, porque eram oito da manhã - horário que consigo ir fazer escova. Estava lavando a cabeça quando ele me perguntou se eu poderia dar uma entrevista. Alguém quer dar entrevista às oito da manhã lavando a cabeça? Ele ficou me esperando do lado de fora. Saí por uma porta que não era a que ele estava. Saí devagar, para ele me ver. Mas não viu, estava distraído... Deve ter ficado com raiva, mas, olha, andei bem devagarinho, viu [risos]?

MC: E as máscaras de carnaval que fizeram com seu rosto depois da plástica?
DR: Acho uma glória. Rio demais do Pânico [programa humorístico de TV]. Me achei genial com o nariz assim [arrebita a ponta do nariz com o indicador e ri]. Gente? Tem de rir, né? Outro dia me deram um presente no Rio Grande do Sul, uma máscara com uma peruca escura. Era eu de peruca e bigode. Um horror. Falei pro cara: 'Escuta, não tenho bigode'. Mas as caricaturas são ótimas. Tem algumas manifestações - não nas agressões, claro, porque não sou masoquista - que até me deixam constrangida porque são afetivas. Quando pedem para tirar foto comigo, fico com vergonha. É um elogio afetivo. Brasileiro tem muito disso, é pior que japonês, adora uma foto. Inclina a cabeça, encosta, aperta a mão. Precisa ter um coração de cimento para não se enternecer. Escuto coisas do arco da velha.

MC: De que tipo?
DR: O povo é muito engraçado. É perspicaz, irônico e muito gentil. Falam muito pra mim [depois da plástica]: 'Não liga não, você estava muito velha' [risos]! Não é fantástico?

MC: Gostou do resultado?
DR: Estou me sentindo ótima. Tenho senso crítico, né? Estou mais parecida comigo aos 40 do que aos 60. Não cheguei aos 30, que era meu sonho de consumo [risos].

MC: Melhorou a autoestima?
DR: Autoestima é algo que se recebe de casa. Sempre tive uma relação muito estreita com meu pai. Ele gostava muito de mim e eu achava isso ótimo. Com o passar do tempo, descobri que ele gostava muito da minha mãe também. Mas isso sequer havia passado pela minha cabeça [risos]. O fato de os pais gostarem da gente é o que dá firmeza para encarar a vida.

MC: Sua relação com a Paula, sua filha, sempre foi próxima?
DR: Ah... teve fases. Primeiro foi o ciclo de absoluta ligação, quase umbilical: a identificação total, o amor profundo. Uma relação muito próxima comigo e distante com o pai. Quando ela tinha 1 ano e ele a beijava com bigode, ela dava um escândalo e dizia: 'Este homem me beijou' [risos]. Mas quando entrou na puberdade, ela se aproximou mais dele e se afastou de mim. Passei a ser procurada só quando tinha um problema, quando ela terminava com o namorado, ficava com alguém. Essa história de ficar confundiu a cabeça dela e a das amigas... Quando percebi o que estava acontecendo, pensei: 'Estão danadas'. Ou melhor, nós, mulheres, estamos danadas.

MC: Por quê?
DR: Porque esse negócio de ficar não funciona bem para as mulheres. Não adianta, não é igual. A gente precisa de uma certa sedução, de corte, do processo de conquista. Não pode ser aquele sincericídio horroroso que há no ficar. No meu tempo, não era um convívio tão sem charme. Tinha que ter uma relação emocional com a outra pessoa. A gente construía algo até chegar ao ficar. Não era só em uma balada.

MC: A senhora acha que sua geração é mais romântica que a da sua filha?
DR: Acho que não. Todas as meninas hoje querem casar. Dão mais valor à família. Vejo isso na minha filha. Ela se importa em ter um relacionamento estável com o marido. E acho que a família toda é muito importante para ela: as avós, as tias, os primos. A família estendida é algo que essa nova geração valoriza também. E a gente também queria casar nos anos 60 e 70, só que não sabia.

MC: Não sabia ou não assumia?
DR: Não sabia mesmo. A afirmação de independência era forte pra gente. Fomos a primeira geração que viveu a experiência de sair de casa, trabalhar. Vivíamos em meio a colchões e almofadas. Ah, o mundo dos colchões e das almofadas... E não ousávamos também ter filhos. Fui mãe aos 28 anos, que era tarde para minha época. A gente dizia que toda mulher queria casar e ser feliz para sempre em tom de ironia, mas no fundo é o que a gente quer mesmo. Essa é a eterna busca.

MC: Seus amigos costumam dizer que a senhora se vê muito na sua filha. Quais valores se preocupou em passar a ela?
DR: Acho que a Paula tem um grande senso de justiça. E espero que ela tenha herdado isso de mim e do pai. Ela sempre será levada a defender os injustiçados. E também de dignidade, capacidade de viver pelos próprios meios. Outra característica que transmitimos a ela foi senso de humor, a capacidade de rir de si mesma. Pelo menos nos esforçamos para que ela tivesse isso [risos]. Se a gente se leva a sério demais, fica cheia de 'nós pelas costas', uma expressão gaúcha de que gosto muito.

MC: Hoje, a senhora se dá bem com o seu ex-marido?
DR: Muito. Esse processo todo de distanciamento, depois da separação, levou, no máximo, seis meses. Faz parte. É o luto. Hoje em dia a gente passa os natais juntos. Preservamos as datas familiares. Natal é uma festa solene.

MC: A senhora trabalhava no governo gaúcho quando a Paula era pequena. Sentia culpa de sair e deixá-la em casa?
DR: Ah, sem dúvida. Quem fala que não sente culpa está faltando com a verdade. A gente tem necessidade de ficar perto da criança. Quando ela tinha febre, eu chispava para casa. Não conseguia mais trabalhar. Parava de focar. E a minha filha tinha asma, que é um desespero só. Uma noite, coitadinha, ela estava mal e entendeu a minha preocupação tão bem que falou: 'Mamãe, sua noite vai ser ruim, hein?'.

MC: Uma das bandeiras da Marie Claire é defender a legalização do aborto. Fizemos uma pesquisa com leitoras e 60% delas se posicionaram favoravelmente, mesmo o aborto não sendo uma escolha fácil. O que a senhora pensa sobre isso?
DR: Abortar não é fácil pra mulher alguma. Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto. Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização. O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morre porque tenta abortar em condições precárias. Se a gente tratar o assunto de forma séria e respeitosa, evitará toda sorte de preconceitos. Essa é uma questão grave que causa muitos mal-entendidos.

MC: Hoje, o que é preciso para legalizar o aborto no Brasil?
DR: Existem várias divisões no país por causa dessa confusão, entre o que é foro íntimo e o que é política pública. O presidente é um homem religioso e, mesmo assim, se recusa a tratar o aborto como uma questão que não seja de saúde pública. Como saúde pública, achamos que tem de ser praticado em condições de legalidade.

MC: A senhora acredita em Deus?
DR: Fui batizada na Igreja católica, mas não pratico. Mas, olha, balançou o avião, a gente faz uma rezinha [risos]. Tenho uma relação muito forte com Nossa Senhora, decorrente da minha formação em um colégio de freiras.

MC: O que a levou a ser a mulher mais forte do governo, praticamente o braço direito do presidente Lula? A que atribui esse status?
DR: À minha história. O governo do presidente é como um rio com vários afluentes que convergiram para fazer esse projeto [de governo]. Sou um dos afluentes, que vem da luta libertária contra a ditadura. Mas há vários outros importantes: o pessoal do movimento sindical, do PT, do PMDB. Jogam muita pedra no PMDB, mas se esquecem do papel que ele desempenhou. Lembro-me do [Pedro] Simon [senador do partido] lutando pelas Diretas, brigando pela democratização. Então, não vamos esquecer quem somos, quem são essas diferentes trajetórias que desaguaram aqui.

MC: A senhora passou por várias crises políticas graves durante seu governo (Dossiê FHC, Varig Log). O que faz para se manter forte internamente? Terapia, tem alguma crença? Chora escondido?
DR: Não faço nada, não. Cargos públicos no Brasil são assim. Basta olhar a pressão que exerceram sobre o presidente. A gente aguenta, uai. É preciso se lembrar de ter um distanciamento e entender que isso faz parte do jogo político. Uma coisa que dá força é a sensação imensa de injustiça. Outra é que temos grande convicção no projeto que estamos fazendo. Em terceiro lugar é importante ter apoio. Tenho apoio do presidente, dos outros ministros. Também é fundamental ter foco. O mundo pode estar caindo que tenho de trabalhar. Tenho de fazer as obras do PAC andar, implementar os projetos que o presidente definiu. Mas também adquiri um lombo meio grosso e certas coisas não me atingem mais como antes. E isso é muita espuma, né? Tem um lado disso que é espuma, que vai embora.

MC: Quando a senhora se engajou na militância política, no movimento estudantil?
DR: Saí do colégio Nossa Senhora de Sion, em Belo Horizonte, de meninas de elite, aos 15 anos. As freiras estavam numa fase de transição. Uma das transformações era dar mais importância às questões sociais, à miséria. Senti essa influência. De lá mudei para o colégio Aplicação, porque se continuasse no Sion, teria que fazer 'normal', seria professora, e não queria isso. Meu primeiro dia de aula foi em 10 de março de 1964, um mês antes do golpe. O colégio era uma efervescência só. Era moderno, tinha representantes de vários grupos da esquerda. Com o golpe, alguns segmentos da classe média de que eu fazia parte se radicalizaram. Como alguém de 16 anos acha que pode existir democracia se um mês depois do início das aulas há um golpe de estado? Começaram as manifestações estudantis, teatrais, os festivais etc. Em 1968, quem fazia parte da militância de esquerda, quem lutava contra a ditadura, foi para a clandestinidade. Eu fui uma dessas pessoas.

MC: Que influências intelectuais a senhora recebeu naquele momento?
DR: Foi nesse período que ganhei minha sensibilidade social, a noção de que era impossível o País viver com tanta miséria. A percepção crescente dos problemas sociais, políticos e econômicos, do arroxo salarial, do não-reajuste do salário mínimo, direito de greve etc. Ganhei consciência da participação, da democracia. Ao mesmo tempo que estava despertando para a política, despertava para a cultura, literatura. Minha geração foi influenciada pela Simone [de Beauvoir], pelo [Jean Paul] Sartre, por todo o povo existencialista, pela nouvelle vague e muito profundamente pela revolução cubana.

MC: Como sua família via isso?
DR: Eu queria ser profissional, ganhar a vida, ser independente. Tive de convencer minha mãe, meu pai já tinha morrido. Ele morreu quando eu tinha 15 anos. Talvez se ele estivesse vivo, o nível de proteção que ele construiria em torno de mim fosse tão forte que eu tivesse de levar algum tempo para ser o que eu fui. Mas eu seria, inexoravelmente. Sartre, que também perdeu o pai, tem uma frase ótima sobre isso: 'Morreu meu superego'. Em que pese eu ter gostado muito e ter uma relação fortíssima com meu pai, de uma certa forma, é no momento da morte dele que - não é que eu deixo de ter um superego - deixo de ter um super-superego [risos].

MC: E o que mudou daqueles tempos para cá? Que ideais a senhora perdeu?
DR: Gostei muito de ser jovem naquele período. Mas em 1968, com o fechamento e a clandestinidade, a gente passou a acreditar que não era possível construir a democracia no Brasil. Mas, alguns anos depois, essa geração que foi para a cadeia e o exílio ganhou uma noção perfeita do valor da democracia e o que significa não tê-la. Não é só porque o cara deixa de cantar música, porque a peça não vai ser encenada, pois o teatro foi invadido, ou porque a imprensa é censurada. É porque se mata, se tortura, se extermina. Mudamos e entendemos que a democracia era fundamental.

MC: Em uma entrevista que a senhora deu ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, conta que durante 22 dias sofreu sessões de tortura, entrou com a palmatória, foi para o pau de arara. Como foi isso?
DR: Tomei choques em várias partes do corpo, inclusive nos bicos dos seios. Tive até hemorragia. Depois de apanhar, era jogada nua em um banheiro, suja de urina e fezes. Tremia de frio até que a sessão de tortura começasse novamente.

MC: Mesmo sofrendo tudo isso, não deu as informações que os militares queriam sobre seus companheiros. A senhora diz que foi aí que aprendeu a conhecer seus limites. Que processo foi esse?
DR: Achava que podia ser heroína. Havia um tabu dentro da esquerda que não discutia o que é a dor, a tortura [a voz se torna mais grave]. Quando fomos para a cadeia, achávamos que não falaríamos nada diante da tortura. Errado. Dizer aos torturadores que não vamos falar o que sabemos é coisa de gente maluca. O único jeito de resistir é dizer que não tem as informações que eles estão perguntando: 'Não sei, não fiz, não estava lá'. Não há outra maneira. Se eles acharem que ao baterem mais conseguirão o que querem, a pessoa está roubada. Na tortura, as pessoas acabam falando porque têm limites para aguentar tudo aquilo. E nós tivemos de ampliar os limites para suportar as porradas e os choques sem dar informações. Pensava: 'Vou aguentar mais um tempo e depois seja o que Deus quiser'. É uma negociação de você consigo mesma. Se alguém tentar, em algum momento, dar de bacana, está lascado. Eles batem ainda mais. É um jogo de resistência psíquica. Mas, de certa forma, todo mundo conseguiu enganá-los. Os próprios militares falavam que preso velho era o que de pior havia. Um bicho 'cestroso', cheio de manha. Um preso novo não sabe o tamanho da dor que pode enfrentar. Em quatro meses, um preso já se torna relativamente velho. Fiquei três anos na cadeia. Só faltava ter auréola, de tão boazinha [risos].

MC: Foi por isso que ficou tão irritada quando o senador José Agripino Maia, do DEM, disse que a senhora teria facilidade para mentir ali, durante uma sessão no senado, porque mentiu sob tortura?
DR: Naquela ocasião, respondi a ele com veemência, um pouco de dor e muita emoção. É de uma ignorância supina alguém supor que mentir não seja difícil. A mentira é algo extremamente difícil de ser feito em uma cadeia. Diante da tortura, encaramos nós mesmos, nossas fraquezas, medos, pavores. Olhamos para o nosso pior lado, que não passa do lado humano mais frágil, mais desprotegido. Quem passa pela tortura e não tem complacência nem misericórdia com seus companheiros é maluco ou culpado. Porque quem não entende que uma pessoa falou sob tortura é louco. Mas aprendi que só conseguimos enxergar o outro se nos enxergarmos. O que é inadmissível é o terror de Estado, capaz de fazer isso com alguém.

MC: Que balanço a senhora faz hoje desse período?
DR: Fizemos uma análise errada. Achamos que a ditadura estava em crise, mas, na verdade, o milagre econômico estava apenas começando. A gente não percebeu o quanto eles ainda iam endurecer. Tivemos muitas derrotas. Apanhamos muito, não só fisicamente. Fomos ingênuos em achar que conseguiríamos um Brasil melhor, com mais igualdade e educação de forma fácil. A forma de fazer é árdua, difícil, leva tempo e exige mediações. Mas, no final, a gente ganhou. Tenho um imenso orgulho de fazer parte de um governo que mostrou que é possível crescer e distribuir renda ao mesmo tempo.

MC: Muitos líderes, políticos e empresários acabam se envolvendo tanto com o trabalho que deixam a questão afetiva de lado. A senhora está solteira. Como é lidar com a solidão?
DR:
Mas não sou sozinha, não. Sou muito bem acompanhada. Me sinto muito bem comigo mesma. Pra gente se sentir só, precisa estar muito carente. Não se fica sozinha aos 60. Ficamos sozinhas aos 30.

6 comentários:

Anônimo disse...

muito boa a entrevista,língua.
abaixo a fsp.
romério
ps.vou assimilar o terninho e outros babados
secundários.

Gilson Raslan disse...

Ótima entrevista!

Também estudei no Colégio de Aplicação na mesma época da futura Presidenta da República, mas só fiquei sabendo isso agora. Que frustração por não tê-la conhecido.

Ah! meu velho e inesquecível Colégio de Aplicação da Rua Carangola, que, infelizmente, foi extinto pelo regime militar, porque ali era o berço de pessoas que pensavam e ensinavam a pensar, cujos professores eram, quase todos, alunos da UFMG numa espécie "residência" para o exercício da profissão (daí o nome do colégio).

Que bom se a nossa futura Presidenta reativasse o Colégio de Aplicação!

Lingua de Trapo disse...

É isso aí Romério, mas convenhamos, não fica bem para a futura presidenta se apresentar na Marie Claire (logo lá) como a riponga da Luiziane Lins, ou da Heloísa Helena, ou até mesmo da Luciana Genro. Cá entre nós, ser de esquerda é uma coisa e, se me permite utilizar o termo, ser "démodé" é outra.

Lingua de Trapo disse...

Caro Gilson, ainda não consegui uma foto do Colégio de Aplicação. Eu te pergunto: funcionava no prédio da antiga FAFICH? Eu tenho fotos antigas do Colégio Sion, onde Dilma também estudou, hoje Colégio Santa Dorotéia.

Mas será que ainda há arquivos dos ex-alunos daquela época?

Acredito que seria interessante tentar descobrir isto.

Mack disse...

Parabens! Com respeito não interessa a publicação. Interessa é a qualidade.

josaphat disse...

O que há de errado em uma mulher querer se mostrar bonita?

 

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