Circo da Notícia - Os olhos azuis de Carla Bruni

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Toda a bestial cobertura que, em particular, a Globo deu para a visita de Madame Sarkozi ao Rio, com direito a tietagem jornalística de Edney Silvestre (que até fez versinhos) é devidamente espinafrada neste excelente artigo de Carlos Brickmann, lambido por este Língua de Trapo do Observatório da Imprensa.

Como se diz por aqui, "nóis semo jacu demaidaconta uai!"


SARKOZY NO BRASIL
Carla Bruni, e todos bestificados

Por Carlos Brickmann em 29/12/2008

Sylvia Kristel, a bela estrela de Emmanuelle, há alguns anos paralisou o Senado: velhos senhores cansados de guerra, experimentados na luta pelo poder, não resistiram e, através das roupas da atriz, viam embasbacados a personagem nua, capaz de deliciosos prodígios sexuais num reduzidíssimo banheiro de avião.

Ellen Gracie Northfleet, de notável saber jurídico e ilibada reputação, paralisou o Senado em sua sabatina de futura ministra do Supremo Tribunal Federal. Os galantes parlamentares, ignorando solenemente o currículo e os conhecimentos da procuradora, preferiram louvar-lhe a elegância, a beleza, as boas maneiras.

Para boa parte de nossos políticos e jornalistas, o homem se define pela trajetória, pelos conhecimentos, pela competência; a mulher, pela beleza, pela elegância, pela aparência jovem – e, se for inteligente e competente, estas qualidades secundárias complementarão seus demais atributos.

Apresente-se uma mulher inteligente, capaz, compassiva, que tem tudo para repetir o fenômeno de Lady Di, a aristocrata que se interessou pelos plebeus e foi amada por todos. Esta mulher, Carla Bruni, tem classe, tem história, e é bonita. Imprensa, autoridades e políticos preferiram tratá-la apenas como uma mulher bonita. Chegou a ser constrangedor: foi como se uma bela ET acabasse de chegar em seu disco-voador rosa-choque.

Boa parte do Brasil debaixo dágua, e a imprensa noticiando as sandálias de pedrinhas azuis de Carla Bruni e sua bolsa roxa. Visita à favela – novo programa turístico indispensável, talvez para mostrar aos estrangeiros como o Brasil trata sua gente – e nada de reportagem sobre a vida na favela, nem sobre as impressões da visitante: ouviam-se apenas gritinhos de aprovação, "Carla Bruni pegou um bebê no colo!" A matéria na praia, com a decepção dos repórteres: Carla Bruni vestia um abrigo e não mostrava as pernas. Tiveram de se contentar com as pernas à mostra de Sarkozy.

É curioso, já que o Brasil, com tantos imigrantes, de tantas etnias, poderia ser mais cosmopolita. Mas deve ter sido assim que os índios de Porto Seguro receberam aqueles estranhos navegantes, ávidos por ouro, de barba no rosto, roupas no corpo e espelhinhos para distribuir à tribo. Desta vez, além do estrangeiro com bugigangas para trocar por nosso ouro, havia uma mulher bonita e famosa.

Mas há uma diferença (que, aliás, pouco apareceu nos meios de comunicação): Sarkozy trouxe as bugigangas, mas só as entregará quando o ouro aparecer. E ninguém contou a ele que, no orçamento, não há previsão para o pagamento.

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