Gilmar Mendes, o STF e a imprescritibilidade dos crimes de tortura

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Os crimes de tortura, comuns ao longo da história da humanidade, persistem até hoje. Pasmem que, esta hedionda forma de obter informações recebeu, mais recentemente, uma nova definição pela administração de George Bush, a chamada técnica ampliada de interrogatório.

Mas esta postagem não tem o propósito de discutir a evolução semântica do termo tortura, mas sim rechaçar o empenho com que o Supremo Presidente Gilmar Mendes, notório escroque do STF, dando eco aos neo-reacionários instalados no legislativo, nos partidos políticos, nas forças armadas e na imprensa, tenta imputar às vítimas da ditadura o crime de terrorismo quando, na verdade, eram os agentes públicos, a serviço da ditadura, que praticavam a tortura e os assassinatos políticos.

Ora, quem praticou terrorismo contra a democracia e o estado de direito foram aqueles que, em 31 de março de 1964, depuserem o presidente eleito, revogaram a constituição de 1946, suspenderam os direitos e garantias individuais e institucionalizaram a tortura e o assassinato político como método para amordaçar o país por mais de 20 anos.

O vídeo que apresento a seguir é uma gravação da TV Senado. Ele contém o trecho em que Ministra Dilma Roussef reponde ao Senador José Agripino Maia sua insinuação de que ela, Dilma, havia confessado em certa entrevista o hábito de mentir. Logo a seguir, reproduzo parte da referida entrevista, concedida pela Ministra ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, onde ela conta em quais condições mentia e, também, descreve em detalhes, os três anos de cárcere nos porões da ditadura.

Não é um texto agradável de ser lido, mas ao fazê-lo temos o dever moral de, no mínimo, rechaçar a impunidade àqueles que, a guisa de quaisquer pretextos empreendeu atos desta natureza.






Pergunta - Quais são as cenas que estão vindo na sua cabeça, agora?
Dilma - Eu lembro de chegar na Operação Bandeirante, presa, no início de 70. Era aquele negócio meio terreno baldio, não tinha nem muro, direito. Eu entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar "mata!", "tira a roupa", "terrorista", "filha da puta", "deve ter matado gente". E lembro também perfeitamente que me botaram numa cela. Muito estranho. Uma porção de mulheres. Tinha uma menina grávida que perguntou meu nome. Eu dei meu nome verdadeiro. Ela disse: "Xi, você está ferrada". Foi o meu primeiro contato com o esperar. A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro...

Pergunta - Por onde a tortura começou?
Dilma - Palmatória. Levei muita palmatória.

Pergunta - Quem batia?
Dilma - O capitão Maurício sempre aparecia. Ele não era interrogador, era da equipe de busca. Dos que dirigiam, o primeiro era o Homero, o segundo era o Albernaz. O terceiro eu não me lembro o nome. Era um baixinho. Quem comandava era o major Waldir [Coelho], que a gente chamava de major Lingüinha, porque ele falava assim [com língua presa].

Pergunta - Quem torturava?
Dilma - O Albernaz e o substituto dele, que se chamava Tomás. Eu não sei se é nome de guerra. Quem mandava era o Albernaz, quem interrogava era o Albernaz. O Albernaz batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava soco. Depois da palmatória, eu fui pro pau-de-arara.

Pergunta - Dá pra relembrar?
Dilma - Mandaram eu tirar a roupa. Eu não tirei, porque a primeira reação é não tirar, pô. Eles me arrancaram a parte de cima e me botaram com o resto no pau-de-arara. Aí começou a prender a circulação. Um outro xingou não sei quem, aí me tiraram a roupa toda. Daí depois me botaram outra vez. Pergunta - Com choques nas partes genitais, como acontecia? Dilma - Não. Isso não fizeram. Mas fizeram choque, muito choque, mas muito choque. Eu lembro, nos primeiros dias, que eu tinha uma exaustão física, que eu queria desmaiar, não agüentava mais tanto choque. Eu comecei a ter hemorragia.

Pergunta - Onde eram esses choques?
Dilma - Em tudo quanto é lugar. Nos pés, nas mãos, na parte interna das coxas, nas orelhas. Na cabeça, é um horror. No bico do seio. Botavam uma coisa assim, no bico do seio, era uma coisa que prendia, segurava. Aí cansavam de fazer isso, porque tinha que ter um envoltório, pra enrolar, e largava. Aí você se urina, você se caga todo, você....

Pergunta - Quanto tempo durava uma sessão dessas?
Dilma - Nos primeiros dias, muito tempo. A gente perde a noção. Você não sabe quanto tempo, nem que tempo que é. Sabe por quê? Porque pára, e quando pára não melhora, porque ele fala o seguinte: "Agora você pensa um pouco". Parava, me retiravam e me jogavam nesse lugar do ladrilho, que era um banheiro, no primeiro andar do DOI-Codi. Com sangue, com tudo. Te largam. Depois, você treme muito, você tem muito frio. Você está nu, né? É muito frio. Aí voltava. Nesse dia foi muito tempo. Teve uma hora que eu estava em posição fetal.

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