Editorial de Geraldo Elísio para o Novo Jornal, o último fiapo de decência do jornalismo da capital.
“Quem não ouve conselhos ouve coitado” – ditado popular brasileiro.
Soweto, quando Piter Bota, era o todo poderoso mandatário da África do Sul, imortalizou páginas de racismo, exclusão social e outras atrocidades, até Nelson Mandela deixar a cadeia onde ficou décadas em função de sua resistência a favor da justiça e igualdade racional, modificando o panorama.
Não sei se as pessoas estão se apercebendo de um fenômeno social que ocorre em várias cidades brasileiras: a formação de guetos inversos a Soweto, onde os afortunados se refugiam para fugir ao populacho. Isto começou a ocorrer com a prevalência da política neoliberal e a nítida concentração de renda que hoje é exibida.
Naturalmente, tudo isso é uma resultante da política de concentração de rendas com as bênçãos do Fundo Monetário Internacional e dos defensores do mal fadado liberalismo e a sua política de livre mercado, que deve urgentemente ser mudada. Se não, o presidente Barack Obama não teria dito: “O sol é o melhor desinfetante que existe. E sei que restaurar a transparência é a melhor maneira de conquistar a confiança. Sem ela, não podemos fazer as mudanças que o povo exige”.
Decodificando, chega de corrupção, pois a exclusão é insuportável e já está mais do que na hora de começarmos a incluir socialmente os menos favorecidos.
Ao tempo dos governos militares, quando o general Garrastazu Médici disse que: “O governo vai muito bem, mas o povo está mal”, uma antevisão de fenômeno social que poderia se agravar, algumas cidades começaram a exibir sinais deste novo quadro com a modificação da fisiografia de alguns dos principais centros urbanos brasileiros.
Vamos tomar duas megalópoles por exemplo. No Rio de Janeiro, do alto dos morros onde são produzidas obras primas da MPB e ao mesmo tempo proliferam os chefes do crime organizado a servir os barões da droga, a massa sofrida e trabalhadora, entre o fogo cruzado dos marginais e da polícia que os combate, ressentindo-se da falta de um Estado competente para devolver os impostos pagos em forma do suprimento de necessidades básicas como saúde, educação, segurança, transporte e lazer, contempla o charme das praias da zona sul.
Em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, ocorre o inverso. Os afortunados subiram as serras e parecem – com as exceções de praxe – não estarem dispostos a contemplar a ausência de charme das planícies periféricas.
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e todas as capitais dos estados, territórios brasileiros exibem uma progressão de condomínios fechados que são como mini cidades incrustadas nas próprias cidades, com a dotação de todos os bens e serviços em seu próprio interior ou à volta. Os serviços públicos, naturalmente pagos com dinheiro de todos. Alguém duvida que uma polícia comunitária, havendo um assalto no Belvedere e simultaneamente no Gorduras, deixará de atender primeiro o Belvedere?
Tudo se faz para fugir ao centro das cidades, cada vez mais inseguros, réplicas do pátio dos milagres, situação vivida também em bairros periféricos, próximos ao centro e até mesmo alguns outrora chamados “points” elegantes.
Todos exibindo um traço de união: a absoluta diferença com os condomínios fechados.
Lógico, não poderia ser diferente e nada tenho contra quem disponha de dinheiro optar pelo estilo de vida que quiser, inclusive o mais sofisticado que for. O Estado, poder moderador, é que não pode ter esta opção. Ainda que as regras institucionais possam se assemelhar a Papai Noel, duendes, fadinhas e Sacis Pererês, a Constituição diz que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, acrescentando sermos todos iguais perante a Lei, embora algumas aposentadorias sejam, apesar da norma constitucional, totalmente díspares.
Na Roma Antiga, Caio Júlio César, depois de chegar, ver e vencer após o alea, jacta est – a sorte está lançada – e atravessar o Rubicão, viu que o quadro social não estava bem e tentou contornar a situação, acabando por ser assassinado por uma conspiração de senadores, inclusive o braço sicário de Brutus, a quem ele tinha como filho. Catilina, o Brizola romano, foi fortemente combatido por Túlio Cícero, o Carlos Lacerda daqueles tempos.
Voltando ao presente indagamos: Miami seria um modelo ideal de polis com o que está sendo criado?
Os guetos de luxo igualmente pagam impostos e se incluem na igualdade constitucional que também em nome deles, como o povo, exerce o poder. Mas as obrigações de Estado devem chegar igualmente aos guetos que lembram Soweto.
Transporte digno, bem como saúde, educação, lazer, segurança e outras necessidades básicas, sem o que todo o dinheiro arrecadado através de impostos ficará sujeito ao uso favorável a apenas a grupo minoritário. Há muito advertências vêm sendo feitas neste sentido, inclusive pelo ex-presidente general João Figueiredo, com aquele jeitão típico dos oficiais da Arma de Cavalaria: “Vocês vão ver quando a Favela da Rocinha descer o morro. Ninguém segura”. Desconfio, já começaram a descer.
Creio ser trabalhosa, porém não impossível a solução. Basta eficácia de governos e que a olígomídia trabalhe neste sentido, para no futuro não assistirmos, ao vivo, as cenas de “Mississipi em Chamas”, filme de Alan Parker, com Gene Hackman e Willem Dafoe.
Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e entidades aqui citadas.
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